sábado, 27 de setembro de 2014

O Tempo



As ruas são as mesmas, as árvores são as mesmas, até o asfalto deve ser mesmo. Mas há algo estranho no ar: a vizinha fofoqueira do 75 não está com sua cadeira azul na calçada; o menino gordo de óculos emagreceu e agora faz sucesso e barulho com sua potente motocicleta - ele era mais simpático quando era gordo; o boteco da esquina que infernizava os vizinhos com as serestas de sexta se tornou uma igreja evangélica, incomodando os vizinhos todos os dias; Sarney, o vira-latas, não está mais em frente à oficina... Nem oficina existe mais, agora é um depósito clandestino para botijões de gás. E eu me olho no espelho, o mesmo espelho com uma rachadura na parte inferior, mas a imagem é diferente.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Incertezas


Talvez eu esteja aprendendo a não esperar sorrisos, a adormecer sem amizade, a ser como meus amiguinhos: magoar gritando e ser magoado em silêncio. Talvez eu esteja aprendendo a reconfortante hipocrisia dos adultos, a deixar de lado a velha camaradagem adolescente – um por todos, todos por um, quando deixou de ser assim?

Talvez eu seja sonâmbulo onde quase todos dormem sedentos por seus sonhos. Talvez eu não queira sair da realidade ou talvez a realidade seja o meu estado de espírito. Talvez o mundo não seja um conto de fadas, ou quem sabe eu prefira o vilão ao príncipe encantado. Talvez eu não seja tão bom assim. Talvez bondade seja só dinheiro. Talvez os heróis bebam vodca depois do beijo final, talvez não existam heróis.

Talvez a vida nos molde em algo pior, talvez seja mais fácil aceitar do que se rebelar, talvez minha rebeldia não soe romântica, e talvez, só talvez eu recuse a coleira do conformismo. Talvez não haja espaço para ideologias depois dos trinta, talvez devêssemos viver somente até os dezesseis para que não houvesse tempo do mundo nos corromper, para que ainda esperássemos alguma mágica do infinito, para que o céu ainda nos hipnotizasse.

Talvez eu me dope, talvez eu viva, talvez eu só escreva... Talvez sejam apenas palavras de amor, ou de saudade... Afinal, quem sabe decifrar tanto “talvez” num mundo cheio de certezas?